MATO SEM CACHORRO

Construímos nosso próprio precipício e depois não queremos nos jogar nele.
Por que as vezes é tão difícil entender coisas tão simples? Por que gostamos de ser enganados? Por que nos deixamos levar pelo que os outros pensam?
Simplesmente, porque a vida não vem com um manual de instruções. As vezes temos as melhores das intenções, mas parecemos monstros usando o carro todo dia pra trabalhar, não separando o lixo da reciclagem, jogando bituca de cigarro na rua, não dizendo bom dia pro porteiro e etc...
Esta lista seria interminável e já conhecemos bem não preciso jogar isso na cara de ninguém.  Não maltratamos somente nosso planeta, mas nosso amigos, colegas, filhos e a nós mesmo. Eu sei e você sabe, como agir...
Não. Não sabemos o certo: é pior eu lavar o lixo reciclável e gastar água, ou jogar o lixo reciclado sujo junto com o limpo e estragar a reciclagem? Ser amigável com os desconhecidos ou deixar cada um cuidar da sua vida? Não dar tanta descarga, ou deixar um presente pro próximo que for usar o banheiro?
Estamos em um mato sem cachorro e quem não tem cachorro caça com gato.
Fudeu e não tem mais volta não vejo a hora do ataque de zumbis.
Não tenha esperança seu mundo caiu, não seja inocente, a industria quer vender não te agradar.
Pessimismo? Isso é coisa de esperançoso e eu sou realista.
Boa sorte no dia do fim eu não vou sobrar pra contar historia.
Boa noite


SANTA FEIRA DO LARGO


Domingo de manhã, abro os olhos mas não consigo me mexer, “a ressaca hoje vai ser mesmo de doer”. Procuro olhar para mim e conferir se não tenho nenhum machucado, ou membro faltando. Relembro flashes da noite anterior; ninguém morreu, não fui preso, gastei uma fortuna, tudo bem estou inteiro, são e salvo em casa... Não! Eu tenho que levantar e sair daqui agora mesmo. Hoje é dia de Feira. Já devo estar atrasado e dificilmente perco uma feira do Largo da Santa Cecília.

Onze e meia da manhã de um domingo qualquer. O sol nessa época, a essa hora, é realmente de rachar, procuro me esconder dele de qualquer forma, sinto uma forte dor de cabeça, meu corpo está exausto e minha boca seca como a vida em um defunto. Venço passo a passo a distância de 300 metros entre minha casa e a feira do Largo. Sofro cada centímetro. Apesar do desconforto essa igreja, esses mendigos, sempre me trazem lembranças da infância e da minha adolescência rebelde.

Freqüento essa feira com minha mãe desde meus 7 anos. Me lembro que aqui tinhas duas feiras, uma de sexta feira (a única a noite) e outra de domingo. As duas eram em baixo do Minhocão (Elevado costa e Silva) Aonde hoje é um terminal de ônibus. A feira de sexta não existe mais, sinto muita falta de uma
barraca de fogazza que tinha nessa feira e eu nunca vi mais em lugar nenhum. Hoje em dia, acho que pela sujeira e por ser no meio da ”casa” de alguns moradores de rua, a prefeitura resolver passar a feira de domingo, para a rua de frente do Largo da Santa Cecília. Agora ela começa na Rua das Palmeiras e vai até
o final da Rua Sebastião Ferreira. Ficou mais bonita ao ar livre, e acho que mais limpa também. Mas isso nunca foi o mais importante pra mim.

Nada mudou em relação a democracia forçada que permanece nela; onde a classe média se esbarra com os “dingos”, bêbados e pedintes. Um pede o pastel, outro dinheiro pra comer, outra dinheiro pra comprar remédio... Aff! as vezes o clima fica tenso. Senhoras com suas sacolas e carrinhos disputam espaço em meio a loucura de sabores da feira. Já vi gritaria e corre e corre nesse choque de classes mas isso faz parte da emoção.

As cores, cheiros (bons e ruins) e barulhos, vão me deixando cada vez mais excitado, me preparando para mergulhar nesse mar de gente. O barulho está levemente mudado, pois agora existe uma lei que proíbe os feirantes de gritar, mas eles dão um jeitinho de soltar uma piada pra gostosa, tirar uma com a cara
de algum desavisado e exaltar a qualidade do seu produto, apesar de na sua maioria virem do mesmo lugar (CEASA).

Uma feira como outra qualquer... Não para mim. Grande parte dessas pessoas que fazem a feira e as que trabalham nela de domingo, já freqüenta aqui de longa data e me são tão familiar, como a senhora das flores que me viu crescer carregando todas as flores que minha mãe conseguia comprar na hora da xêpa, o mal humor do vendedor de bananas que sabe que vou pechinchar e querer umas pra comer agora e outras pra comer daqui alguns dias, ou da Kombi que conserta panelas e afia todas meus cortadores de unha na mesma pedra que afia as facas das donas de casa, sempre me sorri com alguns dentes faltando, dentes que vem diminuindo a cada ano que passa. Tem também as japas do pastel que me chamam pelo nome e puxam conversa sobre minha mãe e que eu explico toda vez que ela já não mora mais no bairro a anos, mas elas nunca se lembram.

Minha ressaca e sede me fazem sorrir paras japas do pastel com uma simpatia cortante e delicada, que se faz entender em; um pastel de queijo pelo amor de Deus. Peço um litro de garapa gelada com limão na barraca ao lado, e levo pra me sentar a sombra na barraca do pastel, perto das pimentas e dos vinagretes,
proibidos pela lei de acordo com as subprefeituras de alguns bairro. Não pode. Mas eu adoro, e aonde eu compro meu pastel sempre tem. Em especial um vinagrete muito apimentado que me faz suar e sentir arrepios. O queijo derretido, a massa crocante, o vinagrete apimentado me enchem de emoção e nostalgia. A garapa, faço questão de tomar o litro todo ali mesmo, no próprio gargalo como se não houvesse nada melhor no mundo. O açúcar começa a correr novamente em minhas veias, o nível de glicose aumenta a tremedeira diminui e eu já estou pronto para “feirar”....

Sigo de uma ponta a outra da feira todas as vezes, mesmo que não tenha a intenção ou dinheiro pra comprar mais nada. Gosto muito de passar pelos peixes e carnes do outro lado da feira, ver os pescoços de galinha ao lado da grande peça de fígado de boi, esperando pra ser cortada de acordo com o gosto
do freguês, e tudo o mais arrumados com bastante esmero, tentando chamar a atenção da clientela, sempre dou uma olhada em quanto está o preço do vôngole, acho uma delicia conversar com o feirante dos temperos e fazer um blend especial de acordo com meus gostos ou comprar ovos caipiras e legumes
orgânicos na “barraca dos sem agrotóxico” essas coisas também fazem parte das minhas tradições, criada ao longo de muitos anos. Conheço e sou conhecido em minha feira, a considero minha. Porque ela faz questão de me cativar me fazer lembrar de um tempo em que eu via essas barracas de baixo com um misto
de curiosidade e timidez, e de todas as vezes que cheguei direto das noitadas com a boca salivando, e passava direto na feira antes mesmo de voltar pra casa. CATIVAR leva tempo.


O Nosso amor tem altos e baixos, eu sofro quando chego e já está na hora de desmontar as barracas, fico puto quando alguma velinha passa o carrinho de feira em cima do meu pé e nem pede desculpa, é muito triste ver tantas pessoas necessitadas mendigando na feira, mas amo quando começa a chover e todo
mundo corre vira tudo uma grande bagunça e o preço dos produtos despencam, essas coisas marcam a minha vida e minhas lembranças. O que te faz tão especial ó Feira do Largo da Santa Cecília, é o fato de morar em meu coração e fazer parte do meu cotidiano ela me viu crescer e eu a vi se transformar. Eu tive
paciência com ela assim como ela teve comigo, Gosto de dela assim, com todos os pormenores.

Já recobrados os sentidos começo a reparar; nossa como tem mulher bonita fazendo a feira por aqui hoje.




Originalmente escrita para:
http://santaceciliasantainsone.blogspot.com.br/